quarta-feira, 25 de março de 2009

segunda-feira, 16 de março de 2009

Erros meus, má fortuna, amor ardente



Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que para mim bastava o amor, somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos…
Oh! Quem tanto pudesse que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!

Análise

Este texto é constituído por duas quadras e dois tercetos, em metro decassilábico, com esquema rimático, ABBA / ABBA / CDE / CDE, verificando a existência de rima interpolada em A, emparelhada em B e interpolada nos tercetos.
O soneto aborda a vida passada do poeta e a tristeza que ele sente ao recordá-la. Assim, nas primeiras três estrofes, exprime a sua tristeza em relação à vida que foi passando e os erros que foi cometendo. Para o fazer, evoca três razões que justificam um passado infeliz; “Erros meus, má fortuna, amor ardente”, que, de forma intencional, se reuniram numa metafórica conjura para tramar contra o poeta: “Em minha perdição se conjuraram” (v. 2). Partindo desta ideia, o poeta desenvolve o seu lamento ao longo das estrofes seguintes. Assim, o sujeito poético aprendeu a não ter esperança na alegria que a vida lhe podia proporcionar: “A grande dor das causas que passaram, / que as magoadas iras me ensinaram / a não querer já nunca ser contente” (vv. 5-9).
Concluindo que todo o seu percurso de vida foi errado, pois foi sempre iludido pelo amor: “De amor não vi senão breves enganos” (v. 12), e tendo em conta que o amor seria o suficiente para o levar à perdição: “Os erros e a fortuna sobejaram,/ que para mim bastava amor somente” (vv. 3-4), a Fortuna, ou seja o destino, castigou as suas sempre “mal fundadas esperanças” (v. 11), pois estas foram sempre criadas por um amor ilusório.
O soneto encerra com um pedido, que traduz todo o sofrimento do sujeito poético: “Oh! Quem tanto pudesse que fartasse / Este meu duro Génio de vinganças!” (vv. 13-14), sendo toda a dor transmitida na utilização da interjeição e da frase exclamativa, e no qual é solicitado, no fundo um descanso que o poeta entende merecido.

Esta análise foi realizada por Hugo Vidal & Joel Horta

Doces lembranças da passada glória



Doces lembranças da passada glória,
que me tirou Fortuna roubadora,
deixai-me repousar em paz ữa hora,
que comigo ganhais pouca vitória.

Impressa tenho n`alma larga história
deste passado bem que nunca fora;
ou fora, e não passara; mas já agora
em mim não pode haver mais que a memória.

Vivo em lembranças, mouro de esquecido,
de quem sempre devera ser lembrado,
se lhe lembrara estado tão contente.

Oh! Quem tornar pudera a ser nascido!
Soubera-me lograr do bem passado,
se conhecer soubera o mal presente.




Formalmente, o poema “Doces lembranças da passada glória” de Luís de Camões é um soneto, constituído por duas quadras e dois tercetos, em versos decassilábicos. O poema obedece ao esquema rimático ABBA//ABBA//CDE//CDE, havendo rima interpolada em A, emparelhada em B e interpolada em C, D, E. O tema deste soneto é a memória do passado e o arrependimento.
A lembrança é o interlocutor do poeta e surge referida em apóstrofe: ”Doces lembranças da passada glória”. Tendo em conta que essas lembranças são de glória, entende-se que sejam “doces”. Porém, o destino roubou-a ao poeta e as lembranças que ficaram, para seu desgosto, não lhe dão descanso, daí que ele lhes peça para descansar por um momento: “deixai-me repousar em paz ữa hora”. Gravado ficou na alma este passado glorioso, cuja ocorrência acaba até por ser incerta, mas que – tendo ou não ocorrido – agora não é mais do que uma lembrança:”Impressa tenho n’alma larga história/ deste passado bem que nunca fora;/ ou fora, e não passara; mas já agora/ em mim não pode haver mais que a memória.”
O poeta reflecte sobre a sua vida presente vivendo esta mesma em lembranças, morrendo, porém, esquecido por aqueles que o deviam recordar: “Vivo em lembranças, mouro de esquecido,/ de quem sempre devera ser lembrado”. Para concluir o soneto, o último terceto mostra-nos que o sujeito poético pede para voltar a nascer e poder aproveitar, assim, melhor o passado sabendo que o presente em que vive é mau: “Oh! Quem tornar pudera a ser nascido! / Soubera-me lograr do bem passado, / se conhecer soubera o mal presente”, utilizando para enunciar este desejo uma oposição entre “bem passado” e “mal presente”, ou seja, um discurso antitético.

Rita Ribeiro e Filipa Fonseca

Lembranças, que lembrais meu bem passado





Lembranças, que lembrais meu bem passado
para que sinta mais o mal presente:
deixai-me, se quereis, viver contente,
não me deixeis morrer em tal estado.

Mas se também de tudo está ordenado
viver, como se vê, tão descontente,
venha, se vier, o bem por acidente,
e dê a morte fim a meu cuidado.

Que muito milhor é perder a vida,
perdendo-se as lembranças da memória,
pois tanto dano faz o pensamento.

Assi que nada perde quem perdida
a esperança traz de sua glória,
se esta vida há-de ser sempre em tormento.



O texto é um soneto constituído por duas quadras e dois tercetos, em metro decassílabo, com esquema rimático: ABBA/ ABBA/ CDE/ CDE, verificando-se a existência de rima interpolada em A, emparelhada em B e interpolada novamente em C, D, e E.
O tema deste soneto é o Amor, e os efeitos que este traz no sujeito poético. O poeta dirige-se a um interlocutor, que são as suas memórias/lembranças do passado, e pede-lhes que o deixem viver contente: “deixai-me, se quereis, viver contente.”, se não, prefere a morte, visto que não tem nada a perder: "venha, se vier, o bem por acidente, / e dê a morte fim a meu cuidado.”; “Que muito milhor é perder a vida,” (…) “se esta vida há-de ser sempre em tormento”.
O sujeito poético passa por uma fase em que anuncia que se não pode viver contente, então prefere morrer: “não me deixeis morrer em tal estado”.
Ainda que o seu passado tenha sido bom, “…meu bem passado”, o presente já não corre tão bem: “…sinta mais o mal presente…”. Assim, a morte trar-lhe-ia paz, pois, ao perder as suas memórias, todo o dano causado por estas a seu pensamento seria eliminado: “Que muito milhor é perder a vida,/perdendo-se as lembranças da memória,/pois tanto dano faz ao pensamento". Deste modo, toda a esperança perdida e a vida em constante tormento acabariam: “…que nada perde quem perdida/ a esperança traz…”, “se esta vida há-de ser sempre em tormento."

Jorge Vidal & Patrícia Cordeiro

segunda-feira, 9 de março de 2009

Ditoso seja aquele que somente



Ditoso seja aquele que somente
Se queixa de amoras esquivanças,
Pois por elas não perde as esperanças
De poder n’algum tempo ser contente.

Ditoso seja quem, estando ausente,
Não sente mais que a pena das Lembranças,
Porque inda que se tema de mudança,
Menos se teme a dor quando se sente.

Ditoso seja, enfim, qualquer estado
Onde enganos, desprezos e isenção
Trazem o coração atormentado.

Mas triste quem se sente magoado
De erros em que não pode haver perdão,
Sem ficar n’alma a mágoa de secado.


Formalmente o poema “Ditoso seja aquele que somente” de Luís de Camões é um soneto, pois é constituído por duas quadras e dois tercetos em verso decassílabo. O texto obedece ao esquema rimático ABBA / ABBA / CDC / CDC, havendo rima interpolada em A, emparelhada em B e interpolada em CDC.
O soneto aborda o tema do sofrimento e surge como uma espécie de oração.
Nas três primeiras estrofes, há um pedido, que surge em anáfora (ditoso seja), para que um conjunto de seres seja feliz: todos aqueles que se queixam que o amor lhes foge, aqueles que têm saudades e todos aqueles que ainda obedecem ao amor: “Ditoso seja aquele que somente/ Se queixa de amor as esquivanças,”; “Ditoso seja quem, estando ausente,/ Não sente mais que a pena das lembranças,” e “Ditoso seja, enfim, qualquer estado/ Onde enganos, desprezos e isenção/ Trazem o coração atormentado.” Porém, apesar do sofrimento, todos estes ainda podem ser felizes, pois têm esperanças ou aguardam com saudades, porque ainda não obtiveram o amor, ou estão distantes, mas podem vir a obtê-lo ou recuperá-lo.
Porém, a última estrofe introduz a oposição (mas) é triste aquele que comete erros sem perdão, pois não terá acesso a esperanças de felicidade: “Mas triste quem se sente magoado/ De erros em que não pode haver perdão/ Sem ficar n’alma a mágoa de secado".


Fábio Pinto
Fábio Gonçalves

Alma minha gentil, que te partiste





Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Algua cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.


O soneto é constituído por duas quadras e dois tercetos, em metro decassílabo com um esquema rimático ABBA//ABBA//CDC//CDC verificando-se a existência de rima interpolada em A, emparelhada em B e interpolada em CD.
O poeta dirige o seu discurso à mulher amada, que, para sua tristeza, morreu jovem: “Alma minha gentil, que te partiste/ Tão cedo desta vida, descontente,”. Ao longo do soneto, o poeta vai-lhe fazendo alguns pedidos, utilizando frases imperativas, tais como: “repousa lá no céu…”,”não te esqueças daquele amor ardente…” e “roga a Deus…”. Afirma também que está em sofrimento e aponta as razões desta tristeza, que se ligam, essencialmente, à ausência da amada, marcada pela distância entre o céu - local de morada dela: ”repousa lá no Céu” - e a terra, espaço de vida do poeta: “viva eu cá na terra”. Estas referências espaciais surgem associadas aos termos com valor deíctico “cá” e “lá”, que reforçam a relação de afastamento entre os dois amantes. Assim, a solução para o sofrimento do sujeito poético seria a aproximação entre os dois e, por isso, ele pede-lhe que rogue a Deus para o levar rapidamente para junto dela: “Roga a Deus, que teus anos encurtou,/ Que tão cedo de cá me leve a ver-te,/ Quão cedo de meus olhos te levou.”
De notar a utilização constante de eufemismos para a referência quer da morte da amada, quer da do poeta: “partiste tão cedo desta vida”, “Deus, que teus anos encurtou” e “que de cá me leve a ver-te”, o que é uma estratégia de poetização de um afastamento irreversível.



Mário Carvalho e Bárbara Carvalho

Um mover d’olhos brando e piadoso





Um mover d’olhos brando e piadoso,
Sem ver de quê ; um sorriso brando e honesto,
quási forçado; um doce e humilde gesto,
de qualquer alegria duvidoso;

Um desejo quieto e vergonhoso;
um repouso gravíssimo e modesto;
ũa pura bondade, manifesto
indício da alma, limpo gracioso;

Um escolhido ousar; ũa brandura;
um medo sem ter culpa; um ar sereno;
um longo e obediente sofrimento:

Esta foi a celeste formosura
da minha Circe, e o mágico veneno
que pôde transformar meu pensamento.




O texto é constituído por duas quadras e dois tercetos, em metro decassilábico, com um esquema rimático : ABBA///ABBA//CDE//CDE verificando-se a existência de rima interpolada em a, emparelhada em b e interpolada em cde. O soneto apresenta um retrato da mulher amada, onde se dá maior relevo aos traços morais. O conjunto de qualidades que lhe é dado tende a produzir uma imagem de perfeição e a não individualização da mulher. Este poema está dividido em duas partes lógicas. A primeira parte é as duas quadras e o primeiro terceto e corresponde à acumulação de atributos físicos e morais da figura feminina. Assim, são feitas referências ao “mover d’olhos”, ao “sorriso”, ao “gesto”, às quais são sempre atribuídas qualidades morais: “Um mover d’olhos brando e piadoso,”, “um sorriso brando e honesto,” e “um doce e humilde gesto,”. A segunda parte é ultimo terceto e corresponde à síntese de todos esses atributos reunidos na expressão “celeste fermosura”, que, além da beleza, remete para o carácter divino da mulher. Esta é também, metaforicamente, apresentada como Circe, ou seja, uma feiticeira que encanta o poeta como seu mágico veneno, isto é, a sua perfeição, que seduz o poeta e lhe transforma o pensamento.


Mário Carvalho e Bárbara Carvalho